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28 de dezembro de 2010

SOBRE A REPATRIAÇÃO DE DÓLARES: Estímulo à sonegação

Notícia publicada na edição de 28/12/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A

O texto faz parecer que a repatriação dos dólares e o perdão aos sonegadores são um ótimo negócio para o país. Eufemismos escondem o nó da questão

Os brasileiros que declaram seus rendimentos à Receita Federal e recolhem corretamente os impostos -entre eles, milhões de assalariados que são tributados na fonte, sem chance de impedir que o governo abocanhe todos os meses uma parte de seus vencimentos - estão em vias de ser ridicularizados pelo Congresso Nacional, onde tramita uma anistia monstruosa para quem desprezou a lei, sonegou impostos e enviou ilegalmente dinheiro para o Exterior.

Batizado hipocritamente de “Projeto Cidadania Fiscal” mas destinado, na prática, a “esquentar” bens e dinheiro sonegados e garantir impunidade aos sonegadores, o projeto de lei nº 443/2008, do senador Delcídio Amaral (PT-MS), já recebeu o apoio de gente do governo como o ministro Paulo Bernardo Silva, atualmente na pasta de Planejamento, Orçamento e Gestão, e que deverá permanecer no novo governo à frente do Ministério das Comunicações.

A proposta trata os sonegadores e detentores de contas no Exterior como coitadinhos, que teriam sido praticamente obrigados a adotar “medidas de defesa” diante de circunstâncias que afetam ou afetaram a totalidade dos brasileiros. Planos econômicos fracassados, períodos de inflação alta, “tolerância do Estado” com a economia informal, aumentos da carga tributária, legislação difícil de entender e até “excesso de exação” (segundo o “Aurélio”, “cobrança rigorosa de dívida ou de impostos”), tudo entra no cadinho de desculpas com que o senador tenta justificar a falta de civismo dos fraudadores.

Amaral afirma que levou um ano para preparar o projeto. Não se duvida. O texto faz parecer que a repatriação dos dólares e o perdão aos sonegadores são um ótimo negócio para o país. Eufemismos escondem o nó da questão, que se resume em transformar o crime em algo (mais) compensador. Pessoas físicas e jurídicas poderão acertar a “situação pretérita” mediante “tributação favorecida”, e ainda pleitear certidões negativas para ingressar em licitações e linhas de crédito, como se jamais tivessem possuído “bens e direitos não declarados”.

Para dourar a pílula, é oferecido um desconto de 50% sobre as já reduzidas tarifas de Imposto de Renda para quem colocar metade do dinheiro em fundos de investimentos “destinados a aplicação de recursos em projetos de infraestrutura”. O dinheiro esquentado, assim, ganha uma conotação desenvolvimentista, como se viesse financiar o crescimento do país, quando apenas pegaria carona em um desenvolvimento feito sem ele.

Mesmo que o Brasil estivesse quebrado e precisasse desesperadamente de divisas, deveria recusar qualquer forma de favorecimento à fraude, que viesse avacalhar ainda mais o conceito - já bastante flexível - que os cidadãos têm das leis e das obrigações. Acontece que o Brasil não está quebrado, e também não precisa de mais dólares, que só viriam sobrevalorizar o real, com danos para a economia como um todo.

É o aspecto moral, porém, o que condena o projeto. Não há meio, como alertou a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), de impedir que dinheiro de corrupção e de tráfico de drogas seja trazido para o país legalmente, através de fraudes - que, por sinal, são a especialidade dessa turma. Até hoje, a Polícia Federal não conseguiu comprovar a origem dos dólares e reais apreendidos com os “aloprados” do PT na capital paulista, em 2006. Como o autor do projeto e seus apoiadores podem assegurar que será verificada a “licitude” dos bilhões de dólares de brasileiros que circulam no Exterior?

Mesmo supondo-se que nenhum dinheiro sujo fosse legalizado, a anistia teria um efeito desastroso, pois reforçaria a ideia de que mentir, fraudar e sonegar são um bom negócio - e, dada a possibilidade de anistia, um negócio potencialmente legal. Bobo é quem declara e paga impostos, não é mesmo, senador?



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