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10 de janeiro de 2011

SINDIRECEITA EM DESTAQUE: Falta de fiscalização em 16,8 km faz com que aduanas funcionem apenas por praxe.

Fronteiras: trânsito livre para qualquer coisa

Décio Viotto

Nem tudo poderia passar, mas tudo passa e tudo continuará passando pela extensa fronteira brasileira. Armas, drogas, munições, produtos piratas e contrabandeados, veículos roubados, remessa ilegal de dinheiro e, é claro, a entrada de criminosos no País, e também a saída. A falta de vigilância e de fiscalização em mais de 16,8 mil quilômetros transformam os 31 postos de aduana espalhadas nessa imensidão de divisas em um quase faz de conta, não fossem os atuais 596 funcionários da Receita Federal, ou 3% da sua força de trabalho, que teimam, por algum motivo, em trabalhar naquelas áreas, apesar dos riscos que correm todos os dias.

Esses corredores logísticos da ilegalidade são o tema de um projeto idealizado, em 2008, pelo jornalista Rafael Neves Godoi, que virou viagem por nove meses, do Chuí ao Oiapoque, entre 2009 e 2010, e denúncia de 248 páginas, editadas no livro-reportagem Fronteiras Abertas, Um Retrato do Abandono da Aduana Brasileira, do Sindicato Nacional da Carreira Auditoria da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), lançado em dezembro, em Brasília. Todo o trabalho foi feito com a colaboração de Sérgio Ricardo Moreira de Castro, analista-tributário da Receita Federal. E ainda provocou mudanças no trabalho de Godoi, como assessor de imprensa do sindicato, e no de Sérgio, como diretor de formação sindical e de relações intersindicais.

Caminhos clandestinos – O bem e o mal, o certo e o errado, o legal e o ilegal trafegam livremente num vaivém do Brasil para o lado de lá, e de lá para o de cá. Lá ficam o Uruguai, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia, o Peru, a Colômbia, a Venezuela, a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa.

A travessia é facilitada por numerosas estradas de terra e também pelas rodovias federais em pontos espalhados pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Rondônia, Amazonas, Amapá e Roraima.

Não bastassem as vias terrestres, embarcações cruzam os rios que marcam fronteiras nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. Elas utilizam portos clandestinos nos rios Uruguai, Paraná, Paraguai, Oiapoque e Solimões. Tudo na mais absoluta paz. A deles.

E quando se pensa que a gravidade da situação havia chegado ao fundo do poço, ainda faltava desabar uma imensa pedra. Neste caso, o decreto 7.213/2010 do Poder Executivo, que retira o analista-tributário das atividades aduaneiras, reduzindo a fiscalização para os 245 auditores, quando a própria Receita Federal estima que seriam necessários 1.032 servidores para atender à demanda das 31 aduanas. "A fragilidade das fronteiras tem relação direta com a segurança nos grandes centros urbanos", afirma Godoi. Outra constatação é a de que todo o aparato de segurança precisa ser reestruturado. "Não é só o que envolve a Receita, mas a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Exército e a Vigilância Sanitária".

É da competência da Receita Federal a fiscalização, a vigilância e o controle de pessoas, veículos e cargas que entram e saem do Brasil. Também são de sua responsabilidade os despachos de importação e exportação, o controle do comércio de balcão, o atendimento ao turista e o combate ao contrabando de cigarros, bebidas, combustíveis, tráfico de armas, munição, drogas e, ainda, repressão ao descaminho (transporte ilegal de mercadorias sem o recolhimento de impostos) e à pirataria.

Com todas essas atribuições, nada é bem feito. Os crimes, que deveriam ser combatidos, não o são. As pessoas, turistas ou não, que deveriam ser bem atendidas, também não. Os transportadores de carga, menos ainda. Eles vivem num sufoco com a demora de seus despachos e com a falta de segurança e de infraestrutura. Tudo é muito lento, arrastado e irritante para quem faz tudo certo.

Política aduaneira – Godoi e Castro são taxativos na conclusão que apresentam de que a falta de ações de vigilância e fiscalização na fronteira fortalece o crime organizado em qualquer complexo urbano, grande ou pequeno. Os autores enfatizam que não sugerem a militarização dessas áreas, muito menos a restrição ao livre trânsito de mercadorias e de pessoas.

O que eles querem é uma política aduaneira atual e que atenda às necessidades e às demandas da sociedade. Como comparação, a fronteira entre o Chile e a Argentina tem apenas 51 postos para cobrir 5.140 quilômetros de fronteira.

Godoi lembra que os problemas não são apenas decorrentes do lado de lá. "O cara no Rio de Janeiro cheira um quilo de cocaína e a culpa é da Bolívia. Rouba um carro e a culpa é do Paraguai. O Brasil precisa assumir sua responsabilidade". Precisa, mas nem mesmo as soluções mais simples são adotadas. Como explicar, por exemplo, que haja 12 postos aduaneiros no Rio Grande do Sul e apenas um no Mato Grosso. Ou ainda, que em algumas unidades poucos funcionários a mais deixariam o posto dentro do que os autores classificam de "situação desejável". Um exemplo disso: o Oiapoque (AP) precisaria de um auditor – já que não tem nenhum – e de mais dois analistas.

"A única coisa que cresce na Receita Federal é seu nome e sua arrecadação", afirma Sérgio de Castro, que há 26 anos trabalha no órgão federal: "No dia 20 de dezembro de 2010, no apagar das luzes, foi publicado no Diário Oficial o novo organograma da Receita, nomeando chefes em Brasília". Para ele, um descalabro.

Vergonha – Com isso, a Receita Federal vai começar 2011 com quase 1.200 funcionários em Brasília. "Quase 10% da força de trabalho da Receita Federal vai ficar concentrada em Brasília, não fazendo absolutamente nada. Uma vergonha", garante Castro.

Para ele, boa parte da violência nos grandes centros ocorre pela omissão da cúpula da Receita Federal. "Passam a vida com a bunda sentada na cadeira e não sabem o que acontece no Brasil. Não sabem e nem querem saber. Não mexem uma palha para melhorar a situação. E nunca vão mexer."



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