Conjur
Por: Mariana Ghirello
O agente da Polícia Federal Josias Fernandes Alves corre o risco de ser demitido por ter expressado sua opinião em um artigo e por participar de atividades sindicais da classe dos policiais. Ele responde a dois processos administrativos disciplinares. Há um processo aberto em Varginha (MG), cidade onde atua, em que é acusado de transgredir o regimento ao participar da assembleia do sindicato. O que tramita na Corregedoria da PF, em Brasília, questiona um artigo publicado.
No primeiro PAD, aberto em Brasília, o agente foi acusado de ofender, através do artigo, a Academia da PF. O texto questiona o critério de seleção usado no "Curso de Especialização (lato sensu) em Ciência Policial e Investigação Criminal" da Academia da PF. Na publicação, o agente diz que a prova foi direcionada para aceitar apenas policiais formados em Direito, o que seria desnecessário. Segundo o agente, outros integrantes da Polícia Federal de formação diferente também poderiam fazer o curso.
No processo mais recente, aberto na cidade onde atua, a acusação surgiu depois de ele ter participado da assembleia promovida pelo sindicato. Segundo o agente, ele pediu autorização para se ausentar no período, mas a diretoria negou. Ele foi do mesmo jeito e agora é acusado de cometer transgressões previstas também na Lei 4.878/65, o regimento das polícias. Nesse processo, Alves é acusado de "insuflar servidores, além de promover manifestações de desapreço em relação à chefia".
A reportagem da ConJur entrou em contato com o superintendente da Polícia Federal em Minas Gerais e autor do PAD contra Alves, Jerry Antunes de Oliveira. Ele afirmou que não vai se pronunciar sobre o caso porque os processos administrativos não são públicos. Disse também que o cargo de dirigente não permite falar sobre o agente para não expô-lo, mas que o PAD tramita com o devido processo legal e os princípios constitucionais.
O artigo publicado desdobrou, ainda, em uma ação de indenização movida pelo delegado Célio Jacinto dos Santos, que se sentiu ofendido e decidiu cobrar danos morais, no valor de R$ 20 mil. A ação pede também que o artigo seja retirado do site da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). O delegado se sentiu lesado com as críticas do artigo porque pertencia à Academia na ocasião do curso, embora seu nome não tenha sido citado.
Para o agente Josias Fernandes Alves, a Conveção 151 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada em abril de 2010, através do Decreto Legislativo 206, permite que o servidor público expresse sua opinião. Segundo ele, a Portaria Interministerial 2 de Direitos Humanos do Policial também assegura o direito de opinião e a liberdade de expressão do profissional de segurança pública.
O advogado da Fenapef, Celso Luiz Braga de Lemos que defende o agente nos processos, afirma que o artigo publicado fez críticas em "termos urbanos" sem ofensas. O problema pode estar no regimento, que data da época da Ditadura Militar, "duro e desatualizado", segundo Lemos. "A Lei 4.878/65, que está sendo aplicada, é mais dura e mais desatualizada do que nunca, mas hoje vivemos no Estado Democrático de Direito", completa.
Lemos diz também que o período que começou em 2003 até o final da gestão do ex-diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Correa, foi marcado por exacerbado números de PADs.
Fonte: FENAPEF
Leia o artigo antes que ele seja retirado: Polícia de juristas »
Para garantir segue o artigo:
O processo de seleção do "Curso de Especialização (lato sensu) em Ciência Policial e Investigação Criminal” - o primeiro do gênero oferecido pela academia da Polícia Federal, cujo resultado preliminar foi divulgado no final do mês passado – causou frustração e indignação de grande parte dos candidatos, dos policiais federais excluídos do certame e levantou a suspeita de direcionamento das vagas para um cargo específico.
A exigência de graduação em ciências jurídicas, um dos pré-requisitos impostos pelo edital aos candidatos, também suscitou uma polêmica em torno da própria concepção da Academia Nacional de Polícia (ANP) quanto à natureza da ciência policial e da investigação criminal.
Não-declarada, por motivos óbvios, a intenção subjacente parece ser de privilegiar os candidatos que ocupam o cargo de delegado de Polícia Federal, estes 100% formados em Direito.
Ao excluir do processo seletivo os agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos criminais federais, com formação em outras áreas do conhecimento, os mentores desse curso, deram um recado tão claro quanto preocupante: o de que a capacidade de produção de conhecimentos e o desenvolvimento de metodologia da ainda incipiente ciência policial seria monopólio de bacharéis e doutores em Direito (com ou o título acadêmico).
No alto de sua sapiência, surpreendentemente, a “Coordenadoria de Altos Estudos da Segurança Pública” da ANP, responsável pela seleção e organização do curso, parece ignorar que a natureza da profissão e os conhecimentos pertinentes à ciência policial e à investigação criminal têm (e devem ter) caráter interdisciplinar e multidisciplinar, para os quais todos policiais qualificados têm a contribuir para a produção do conhecimento.
Equivaleria defender que a necessidade ou a conveniência de aperfeiçoar e aprofundar os conhecimentos teóricos e práticos dos policiais federais fosse privilégio dos pretensos juristas. Ou que os demais não mereceriam complementar sua formação profissional e acadêmica, que é um dos objetivos elencados no próprio plano do curso.
Não por acaso, grande parte das pesquisas, teses acadêmicas e a bibliografia sobre segurança pública, criminologia, violência e sistema e técnicas de investigação criminal, dentro e fora do Brasil, têm sido produzidos por sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, jornalistas, médicos legistas, psicólogos e pesquisadores de outros ramos da ciência, muitas vezes em equipes multidisciplinares.
As inovações tecnológicas e a modernização das técnicas de investigação criminal, bem como o perfil e as qualificações exigidas de investigadores, analistas, peritos e outros tantos profissionais especializados nas polícias norte-americanas, por exemplo, indicam que – cada vez mais – a ciência policial deverá se interagir com as outras áreas do conhecimento científico.
Em tempos de globalização da criminalidade organizada, ocultação e lavagem de capitais, delitos cibernéticos, profusão de novas drogas sintéticas e crescente sofisticação dos meios e técnicas empregadas pelos infratores da lei, soa como amadora e arrogante a postura de gestores policiais que se apresentam como donos da verdade.
O paquidérmico, burocrático e falido sistema de investigação criminal tupiniquim – cujo símbolo é o jurássico inquérito policial – não justifica mas talvez explique essa tentativa de circunscrever o conhecimento policial no feudo das ciências jurídicas.
A absurda exigência de formação jurídica para o estudo da ciência policial, entra na contramão da tendência de respeitadas instituições acadêmicas, tanto nacionais quanto de outros países do Primeiro Mundo. O pré-requisito de formação em ciências jurídicas não consta nos editais de seleção de vários outros cursos similares de pós-graduação. O público alvo de muitos desses cursos são os profissionais de segurança pública, oferecidos por diversas instituições de ensino superior, que exigem formação em nível superior em qualquer área de conhecimento.
É assim em cursos de especializações em segurança pública, violência e criminalidade, dentre outros, oferecidos por núcleos e departamentos de prestigiadas universidades públicas e particulares, tais como UFMG, UnB, FGV, UERJ, USP, dentre outras.
Alguns cursos de pós-graduação são financiados com recursos do Ministério da Justiça, através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que criou a Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp). Este projeto de educação permanente é direcionado a profissionais de segurança pública, inclusive com vagas a policiais federais, além de outros profissionais interessados e atuantes nesta área.
A Renaesp foi formada através de parcerias com instituições de ensino superior, que promovem cursos de pós-graduação lato sensu sobre diferentes temas relacionados à segurança pública, nas modalidades presencial e à distância. Dentre outros objetivos, se propõe a “articular o conhecimento prático dos policiais, adquiridos no seu dia-a-dia profissional, com os conhecimentos produzidos no ambiente acadêmico” e difundir “a construção de uma cultura de segurança pública fundada nos paradigmas da modernidade, da inteligência, da informação e do exercício de competências estratégicas, técnicas e científicas".
Uma das diretrizes para a seleção dos candidatos é que o profissional interessado em participar da rede possua diploma de nível superior em qualquer área de conhecimento e seja servidor ativo da área de segurança pública. A exigência do curso da ANP contraria até uma regra do programa do Ministério da Justiça, em prejuízo de seus servidores.
Outro pré-requisito questionável previsto no edital foi a exigência que o servidor não estivesse respondendo a processo administrativo disciplinar. Seria uma espécie de punição prévia? O fato de estar respondendo a PAD não pressupõe, obviamente, que o candidato esteja afastado do serviço ou que vá ser punido. Qual o motivo para excluí-lo do processo de seleção? Seu “dotô”, me dá licença: onde fica o princípio da presunção da inocência ?
Além das dúvidas quanto à eficácia da opção acadêmica do curso de pós-graduação da ANP, a própria transparência do processo de seleção ficou comprometida. O edital de seleção não apontou critérios objetivos de avaliação e pontuação do “currículo vitae” e da “carta de intenções”, parcialmente detalhados após a divulgação da relação dos qualificados a preencher as 30 vagas oferecidas. Vários candidatos tiraram notas baixíssimas e até nota zero nesses dois quesitos, que definiram a seleção.
A desconfiança quanto à possível subjetividade das avaliações ou privilégio dos delegados aumentou ainda mais com a forma de divulgação da lista dos candidatos qualificados. Em vez de se publicar os nomes e cargos dos candidatos selecionados, optou-se pela divulgação de um “código”, diferente do número de inscrição, que inviabilizou a identificação dos aprovados.
Pode ter sido apenas um “ato falho” dos gestores da ANP. Mas feriu o princípio constitucional da publicidade, que deve pautar os atos administrativos. Com certeza, a “lista misteriosa” também prejudicou a elaboração de eventuais recursos contra o resultado, previstos no edital. Afinal, se não se tem clareza dos critérios objetivos de avaliação, nem dos nomes dos aprovados, o que se poderia alegar na fase recursal?
Na visão otimista, as trapalhadas na seleção do curso de pós-graduação da ANP podem ser interpretadas “apenas” como inexperiência ou incompetência dos organizadores. Na mais pessimista, como indicador de que a “ciência policial” que a academia da PF pretende produzir tem quase nada de científico, pouco de policial e muito de imoral.
Josias Fernandes Alves é Agente de Polícia Federal, Diretor de Comunicação da FENAPEF,
formado em Jornalismo e Direito. josiasfernandes@hotmail.com
Fonte: Agência Fenapef
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