Sílvia Felismino - O Estado de S.Paulo
Em 8 de junho a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de medidas para
ampliar o controle e a vigilância nas fronteiras terrestres do País. O projeto
visa a neutralizar o crime organizado, reduzir os índices de criminalidade,
coordenar e planejar a execução de operações militares e policiais e
intensificar a presença das Forças Armadas na faixa de fronteira.
O que chamou a atenção no Plano Estratégico de Fronteiras foi a ausência da
Receita Federal, que evidencia uma situação que o Sindicato Nacional dos
Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita) vem
denunciando nos últimos anos: a distância entre as ações da administração
central da Receita Federal e as políticas prioritárias do governo.
Cabe destacar que a Receita Federal, de acordo com a legislação, tem
precedência sobre os demais órgãos no controle aduaneiro. É, portanto, no
mínimo, estranha essa situação, já que prioritariamente o órgão e seus
servidores são os responsáveis por controlar a entrada, a permanência, a
movimentação e a saída de pessoas, veículos e mercadorias de portos, aeroportos,
pontos de fronteira e recintos alfandegados, ou embarque e desembarque de
viajantes, procedentes do exterior ou a ele destinados.
A segurança das fronteiras terrestres do Brasil definitivamente entrou na
pauta do governo, que agora adota medidas efetivas para cobrir uma extensão de
quase 17 mil quilômetros de divisas com dez países. As ações serão executadas em
11 Estados e 710 municípios, que abrangem uma população de 10,9 milhões de
brasileiros. É nesse contexto que se faz necessário questionar o que tem feito a
administração da Receita Federal no que diz respeito ao controle aduaneiro.
Todas as ações serão executadas sem a participação do órgão, que é o único que
mantém presença, ainda que deficitária, na maioria dos 31 pontos de passagem
terrestre ao longo da faixa do território que vai do Oiapoque (RR) ao Chuí (RS).
A Receita Federal não apenas se omite, mas atua em sentido contrário, ao reduzir
a presença de servidores nesses postos de fiscalização.
O Sindireceita já denunciou no livro Fronteiras Abertas - Um Retrato do
Abandono da Aduana Brasileira, lançado em dezembro de 2010, a precariedade
dessas unidades. Por meio de medidas administrativas a Receita vem reduzindo o
efetivo de servidores que atuam nos postos de fronteira. Uma dessas medidas, que
segue em sentido contrário ao esforço feito pelo governo federal, foi a edição
do Decreto n.º 7.213/2010, que prevê que as atividades de fiscalização de
tributos em operações de comércio exterior serão supervisionadas e executadas
apenas por auditor fiscal.
Na prática, a mudança no Regulamento Aduaneiro retira os analistas
tributários das atividades de fiscalização, controle e combate ao contrabando,
tráfico de armas, drogas, munições e outros crimes. A própria direção do órgão
parece não se importar com o fato de que em muitos pontos da fronteira a
presença do Estado brasileiro é exercida apenas por analistas tributários, que
são os responsáveis pelas ações de vistoria veículos, bagagens e demais
atividades de controle aduaneiro, que estão deixando de ser executadas.
Essa medida é mais um exemplo das contradições internas da Receita Federal,
que ao tomar decisões dessa natureza fragiliza ainda mais o já comprometido
trabalho de fiscalização nas fronteiras e, ao invés de melhorar a atuação do
Estado, age na contramão da solução desse grave problema.
Relatos de servidores chegam de todas as partes do País dando conta de que a
situação denunciada no livro do Sindireceita se torna pior a cada dia. Um dos
principais problemas está na redução do efetivo em unidades importantes, como a
Inspetoria de Tabatinga, no Amazonas. Em 2010, quando visitada pela equipe do
Sindireceita, o efetivo da Inspetoria era de apenas dois servidores - um auditor
e um analista tributário. Hoje a unidade conta apenas com um servidor, que é
responsável pelo controle aduaneiro nessa região da tríplice fronteira
Brasil-Colômbia-Peru. No começo da semana passada a direção nacional do
Sindireceita recebeu a comunicação de que a Superintendência da Receita Federal
da 2.ª Região Fiscal, que compreende os Estados da Região Norte, pretende
retirar 11 analistas tributários das alfândegas do Porto de Belém e do Aeroporto
Internacional da mesma cidade, transferindo esses servidores das áreas de
fiscalização para atividades-meio do órgão.
Num momento em que o País está atento ao debate sobre a necessidade de mais
investimentos em segurança, é preciso chamar a atenção de todos para o quadro
dramático da aduana brasileira. Cabe mais uma vez lembrar que o controle
aduaneiro está diretamente ligado ao combate ao flagelo da insegurança pública.
O Brasil não conseguirá superar esse obstáculo se não retomar o efetivo controle
de suas fronteiras, o que envolve o combate incessante ao tráfico de drogas,
armas e munições, ao contrabando e à pirataria. Sem mais servidores e
investimentos em infraestrutura, aquisição e manutenção de veículos adaptados a
cada região, o Estado brasileiro seguirá travando uma batalha desigual contra o
crime organizado, que conhece e explora todas essas deficiências.
Em meio a tantas denúncias, é ainda mais constrangedor perceber que, em
reforço à visão tosca que a administração central tem sobre a área aduaneira,
parte das soluções para os problemas emperra no corporativismo exacerbado de
gestores que fazem a opção por defender privilégios de uma categoria de
servidores, tendo a oportunidade de decidir em favor da sociedade e do País.
Neste momento em que a fragilidade da aduana brasileira está exposta, é
preciso também ficar atento a atitudes oportunistas de grupos interessados muito
mais em manter a situação atual do que realmente agir em favor da sociedade.
PRESIDENTE DO SINDIRECEITA
Fonte: ESTADÃO
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