Por Alessandro Cristo e Marcelo Auler
Um mistério ronda as investigações da Polícia Federal, da Corregedoria da Receita Federal e da Procuradoria da República de São Paulo que desbarataram uma quadrilha de auditores fiscais que vendiam fiscalizações e informações privilegiadas para empresas de Osasco. Em maio passado, no curso da investigação do caso, morreu o ex-subdelegado da Receita Federal naquele município, Jorge Luiz Miranda da Silva, responsável pelas denúncias que levaram as três instituições a desmontarem o esquema de corrupção que, segundo cálculos de policiais federais, pode ter provocado um prejuízo aos cofres públicos de R$ 3 bilhões. Jorge Luiz estava recebendo ameaças de morte, segundo dizem seus colegas.
Depois de ter denunciado o esquema de corrupção na Delegacia da Receita em Osasco e se sentir ameaçado, ele foi transferido, em janeiro deste ano, para a Delegacia Regional de São José dos Campos. Não chegou a atuar muito no novo posto, pois obteve licença médica. As ameaças, a transferência e a própria licença médica fazem seus colegas auditores fiscais classificarem na rede de e-mail da categoria o caso como uma “morte anunciada”.
Jorge Luiz ficou quase um mês desaparecido e, por pouco, não foi enterrado como indigente no cemitério de Queimados, na Baixada Fluminense, muito embora ao se acidentar com seu Chevrolet Montana (placa EVK 8954, de São Paulo) às 21h30 do dia 15 de maio, 400 metros adiante do KM 193 da Via Dutra, pista em direção a São Paulo, estivesse com os documentos no bolso, além da documentação regular do automóvel. Foi isto o que permitiu ao policial rodoviário federal Marcos Alves Pereira o identificar ao registrar o Boletim de Ocorrência 01861/2011, na 55ª Delegacia Policial do Rio, em Queimados.
Ele morreu dois dias depois, no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, para onde foi levado no dia do acidente por uma equipe de socorro da Nova Dutra. Foi transferido para o IML no mesmo bairro da Posse, devidamente identificado, como consta do livro de registro visto neste domingo (7/8) pela reportagem da ConJur. Mas, ainda assim, sua família ficou sem notícias suas por quase um mês. Na delegacia da Receita Federal de São José dos Campos sua ausência só foi sentida depois que venceu a licença médica e ele nem apareceu, nem deu notícias.
Tão logo seus colegas descobriram sua morte, a Delegacia Sindical do Rio do Sindicato dos Auditores Fiscais (Sindifisco) reivindicou ao superintendente da Receita no estado uma investigação do caso. Porém, como afirma nota divulgada, os sindicalistas receberam instruções de São Paulo para permanecerem em silêncio de forma a não atrapalhar as investigações da Operação Paraíso Fiscal que culminou com a prisão de oito pessoas e a apreensão de cerca de R$ 12,2 milhões em espécie na casa e no escritório de alguns auditores.
Em consequência da Operação Paraíso Fiscal, no último dia 5 de agosto, o Diário Oficial da União publicou a exoneração dos envolvidos de seus cargos comissionados, inclusive do delgado-adjunto Antônio Ramos Cardozo, cargo que Jorge Luiz ocupou. Foram atingidos ainda Alaor de Paulo Honório, chefe do Serviço de Fiscalização; José Geraldo Martins Ferreira, chefe da Equipe de Fiscalização; e Kazuko Tane, chefe de Equipe de Fiscalização.
Uma equipe do setor de Inteligência da Superintendência da Polícia Federal de São Paulo esteve na Baixada Fluminense dando início a uma investigação paralela. Conforme a ConJur apurou nesta segunda-feira (8/8), mesmo depois que a família o identificou no IML, o corpo do auditor foi impedido de ser liberado até que papiloscopistas federais recolhessem suas digitais para uma identificação oficial. A Polícia Federal de São Paulo já instaurou inquérito específico para apurar o acidente de carro, apesar de na Delegacia do DPF de Nova Iguaçu, assim como no Posto da Polícia Rodoviária de São João de Meriti, explicarem que tudo não passou de um acidente e uma triste coincidência.
Segundo informações, Jorge Luiz estava viajando desde a Região dos Lagos em direção a São José dos Campos quando colidiu na traseira do ônibus Mercedes Benz, ano 2010, da Expresso São Jorge, placa LLE 7619, dirigido por Maria José de Melo Silva. O carro, já recolhido pela família do pátio da PRF, ficou com a frente toda acabada. Na Delegacia de Queimados só existe o Boletim de Ocorrência, uma vez que o laudo do Exame de Corpo Delito do IML de Nova Iguaçu foi remetido para a 58ª DP e ainda não foi encaminhado a Queimados onde deve ocorrer a investigação do acidente.
Apesar disto tudo, diversos auditores fiscais querem que a Superintendência da Receita Federal do Rio acompanhe as investigações, como diz a nota divulgada assim como a carta encaminhada à superintendente adjunta da Receita no Rio de Janeiro. Na rede de e-mails deles, alguns cobram que o Sindifisco contrate um advogado para acompanhar o caso. Teme que o acidente possa ter sido provocado por terceiros.
Fiscalização corrupta
A operação foi deflagrada na última quinta-feira (4/8). A Polícia Federal, em conjunto com a Receita Federal e o Ministério Público Federal, descobriu que um grupo de fiscais da Receita cobrava de empresas para reduzir o valor das multas aplicadas. Na casa dos acusados foram encontrados pelo menos 12 milhões, em reais e dólares. A estimativa é que a soma do prejuízo para os cofres públicos pode passar dos R$ 3 bilhões.
Segundo a Polícia, o esquema contava com servidores da Receita de Osasco (SP) para a venda de fiscalizações e de advocacia administrativa, no qual eram lavrados autos de infração com valores menores que os devidos. Segundo o fisco, foi a maior operação conjunta de combate à corrupção da história da Corregedoria da Receita Federal, envolvendo 120 agentes e delegados da PF e 50 auditores da Receita. Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão nos municípios de São Paulo, Osasco, Sorocaba e Barueri, e oito mandados de prisão — seis preventivas e duas temporárias —, lavradas pela 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
As prisões ocorreram pela prática dos crimes de advocacia administrativa — quando o funcionário público usa informações privilegiadas para ajudar um criminoso —, corrupção passiva, violação de sigilo, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. São suspeitos de participar do esquema 11 servidores e ex-servidores da Delegacia da Receita Federal de Osasco-SP. Cinco auditores foram suspensos cautelarmente de suas funções por ordem judicial. Também foram presos o filho e a mulher de um dos fiscais, além de um doleiro. Em outra ação, no Rio de Janeiro, a PF prendeu seis funcionários do INSS suspeitos de fraudar benefícios previdenciários.
Nas casas dos cinco auditores presos, a Polícia encontrou e apreendeu R$ 12,9 milhões, entre notas de real e de dólar, muitas escondidas em caixas de leite e de biscoitos. A maior apreensão em espécie da operação aconteceu na casa de um auditor em Alphaville: R$ 2,5 milhões e US$ 2,5 milhões, encontrados no forro do telhado. Na casa do delegado adjunto da Receita Federal em Osasco foram apreendidos R$ 814 mil e US$ 232 mil. Com um dos chefes de fiscalização da Delegacia foram apreendidos quase R$ 1 milhão e US$ 91 mil. Com um quarto auditor foram apreendidos R$ 530 mil e US$ 3 mil, além de pedras preciosas. Na casa de outra chefe de fiscalização, mais R$ 3 milhões foram apreendidos. No armário desta auditora-chefe na própria repartição da Receita foram encontrados R$ 45 mil. Ao todo, 11 carros de luxo foram confiscados. Segundo a Polícia, os servidores tinham contas no exterior e alto padrão de vida.
Notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo conta que os fiscais estavam sendo investigados desde o início do ano. A apuração começou com uma denúncia feita por um ex-auditor à Corregedoria da Receita. O esquema vigorava desde 2003. De acordo com o MPF, empresários da região de Osasco eram abordados pelos funcionários públicos, que deixavam de autuá-los em troca de vantagens financeiras, além de transmitir informações privilegiadas aos empresários. A quadrilha também dava consultoria para que as empresas com supostas irregularidades pudessem invalidar multas recebidas e alterar valores a serem pagos. Entre 100 e 150 fiscalizações foram vendidas. Cerca de 50 empresas teriam sido beneficiadas.
O fisco constatou que os acusados moravam em casas de alto padrão, realizavam viagens internacionais com frequência e mantinham contas correntes no exterior. As provas foram obtidas a partir de interceptação telemática e telefônica e o monitoramento de encontros com empresários fiscalizados.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Marcelo Auler é jornalista.
Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2011
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