Escuta da PF revela funcionamento do esquema
12 de agosto de 2011 | 0h 00
Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
A Polícia Federal espreitou durante 8 meses diretores e sócios das empresas e
flagrou encontros em escritórios e restaurantes com auditores da Receita. O
relatório da PF indica relações muito próximas entre os dois grupos. São 549
páginas distribuídas em dois volumes de documentos ilustrados com fotografias
dos alvos da operação e transcrição de interceptações telefônicas e
telemáticas.
"As interceptações foram eficazes em descortinar o vasto patrimônio
gerenciado pelos investigados, muitas vezes consistente em bens registrados em
nome de terceiros, com a finalidade de ocultar a sua propriedade, uma vez que
ela é incompatível com os rendimentos declarados", assinalou o juiz Márcio
Catapanni.
Dez auditores estão sob suspeita. Além dos 5 presos, são investigados Alaor
de Paulo Honório, Patrícia Pereira Couto Fernandes, Antonio Ramos Cardozo, Fábio
de Arruda Martins e Eduardo Paulo Vieira Pontes.
A PF apurou que o auditor João Eisenmann recebia empresários em sua firma
particular, Luvamac Equipamentos de Segurança, supostamente para tratar de
propinas. Uma funcionária particular dele, Renata Faris, elaborava procedimentos
fiscais, embora ela não tenha vínculo com a Receita.
A Paraíso Fiscal foi deflagrada a partir de denúncia do auditor Jorge Luiz
Miranda da Silva. Em maio, Miranda foi encontrado morto no Instituto Médico
Legal de Nova Iguaçu (RJ). Oficialmente, ele foi vítima de acidente de carro. A
PF abriu inquérito.
Miranda "presenciou uma sequência de fatos, o que corroboraria as suspeitas
de corrupção", diz a PF. Ele contou que, em setembro de 2009, chegou mais cedo
ao trabalho e encontrou o auditor Eduardo Paulo Vieira Pontes "trocando páginas
de um processo". Os federais monitoraram festa patrocinada pela auditora Kazuko
Tane para 24 convidados. O procurador da República Sérgio Suiama assinala que a
PF apresentou contra Kazuko "diversos episódios que indicam padrão de vida
bastante incompatível com os rendimentos auferidos".
CONVERSAS
Grampo de 22 de junho, 15h19. Auditor João Eisenmann conversa com Benedito
Herança, da Contillex Contábil:
Eisenmann: Mas ele não tem que pagar a primeira parcela dia 30?
Herança: Nós vamos conseguir resolver isso até o dia 30.
Eisenmann: A gente merece ganhar o que ganha, Benê. Essa é a verdade,
viu?
Grampo de 2 de junho, 11h09. Einsemann liga para Renata Cristina Faris, sua
funcionária, e pede para que ela faça o procedimento fiscal da Osram
Lâmpadas:
Eisenmann: Então, você consegue aprontar a intimação lá pra Osram até as 9 e
meia? Aí eu já saio com ela.
Renata: (risos) Tá, eu vou ver. Nem que eu leve pra fazer à noite. Tá dando
trabalho, né? Eu não sei se eu tô pegando realmente as maiores notas fiscais. Eu
filtrei, peguei os maiores valores. Mas eu tô pegando uma boa amostragem. Tá
dando 3 milhões todo mês.
Grampo de 4 de abril, às 10h03. Eisenmann conversa com o empresário Ralph
Rudnik, da Rudnik Produtos
Químicos:
Eisenmann: Deu um pouco mais de trabalho do que eu pensava. Bom, depois eu
falo, né? Eu tô pensando em passar amanhã à tarde aí. É possível?
Ralph: Eu ainda não tô com aquele numerário todo em mãos.
Eisenmann: Tá bom.
Ralph: Se pudesse ser no dia 8 pra mim... (No dia seguinte, a PF flagrou
Eisenmann chegando à sede da Rudnik).
Grampo de 12 de abril. A contadora Maura Cheng liga para Eisenmann:
Maura: Oi, João. O Chung (dono da gráfica Mega Box) me pediu pra te dar uma
ligadinha pra gente ver o que é que a gente consegue fazer daquelas coisas dele
lá... da fiscalização.
Einsemann: Olha, Maura. Eu acho que não consigo fazer mais nada agora. Talvez
se tivesse comunicado antes. A gente talvez podia procurar um caminho
alternativo.
Maura: E não tem o que a gente possa fazer?
Receita vai refiscalizar nove empresas envolvidas em caso de corrupção
Operação Paraíso fiscal detectou uma rede de auditores acusados de criar uma organização para fraudar fiscalizações; sonegação poderia chegar a R$ 3 bilhões
Fausto Macedo, de O Estado S. Paulo
SÃO PAULO - A Justiça Federal determinou a refiscalização de 9 empresas citadas na Operação Paraíso Fiscal, que flagrou uma rede de auditores da Receita acusados de integrarem organização criminosa para venda de fiscalizações e corrupção. A ordem é do juiz Márcio Ferro Catapanni, da 2.ª Vara Federal Criminal em São Paulo.
A Paraíso Fiscal, desencadeada há uma semana, prendeu 8 investigados, incluindo 5 auditores. A revisão de ações fiscais foi sugerida pela Polícia Federal. O delegado Otávio Russo suspeita de fraudes nos procedimentos. A ordem judicial atinge inicialmente Rehau Indústria Ltda, Natural Chemicals Laboratório de Bioativos Ltda, Leste Marine Importação e Exportação Ltda, Osram do Brasil Lâmpadas Elétricas Ltda, RR Donnelley Editora e Gráfica, Frenesius Hemocare Brasil, Rudnik Comércio de Produtos Químicos, Gráfica Megabox e Electro Plastic.
As empresas mantêm sede ou área de produção na região de Osasco e Cotia (Grande São Paulo). Os auditores atuavam na Delegacia da Receita de Osasco - Rogério Cesar Sasso, José Geraldo Martins Ferreira, Kazuko Tane, José Cassoni Rodrigues Gonçalves e João Francisco Nogueira Eisenmann. O doleiro Carlos Dias Chaves faz companhia ao grupo. O filho e a mulher do auditor Cassoni foram detidos temporariamente.
Os auditores reduziam o valor de multas ou excluíam empresas do cadastro de devedores de tributos. Teriam vendido cerca de 100 fiscalizações e amealhado R$ 200 milhões. A Receita estima em R$ 3 bilhões o montante sonegado por empresas.
O relatório da PF descreve uma vida suntuosa dos auditores. Foram confiscados na residência dos acusados R$ 12,9 milhões em dinheiro vivo. Eles foram vigiados por oito meses. Os federais fizeram imagens e gravaram telefonemas dos auditores negociando com empresários.
Para o juiz, "ficou evidente a intervenção dos servidores em procedimentos fiscais, em favor das empresas, com o objetivo de burlar a fiscalização e o consequente pagamento de tributos".
No caso da Osram, a PF reconhece que "não é possível afirmar que houve irregularidade no término desta fiscalização", mas pediu nova ação fiscal. A Osram informou que a fiscalização aconteceu "de forma oficial, a partir do recebimento do Mandato de Procedimento Fiscal". "A Osram é sempre solícita às exigências dos órgãos que compõem o governo, em suas diferentes esferas, e esclarece que foi acionada por vias autênticas e recebeu os auditores durante visitas formais e de rotina, apresentando prontamente todos os documentos solicitados."
Segundo a Osram, a fiscalização não encontrou nenhuma irregularidade. "Todas as etapas dessa fiscalização, considerada suspeita pela Corregedoria da Receita, estão devidamente documentadas e podem facilmente ser apresentadas à PF."
A Rehau negou categoricamente "qualquer relação" com a Paraíso Fiscal. Em nota, a empresa destaca que sua atuação tem "a transparência e o respeito integral à legislação vigente como regras básicas de atuação". "A Rehau não foi requerida ou intimada pelas autoridades para nenhum tipo de esclarecimento, não está sob nenhum tipo de fiscalização, nem respondendo por qualquer tipo de irregularidade perante instâncias judiciais ou policiais."
A contadora Maura Soon Cheng, que trabalha para a Gráfica Megabox, confirmou ter se encontrado com o auditor Eisenmann, mas negou que tenha tratado de propinas. "É um absurdo. A empresa foi autuada. A refiscalização pode até ser boa para a empresa, porque não concordamos com a autuação."
Maura admitiu ter ido à Luvamac Equipamentos, empresa de Eisenmann. "É até normal a gente se encontrar com o fiscal na Receita ou em outro lugar. Como pessoa, (Eisenmann) é excelente. Ele sugeriu que eu passasse (na Luvamac). É caminho para a casa de minha mãe. Pensei: posso tomar um cafezinho. Não quer dizer que tenha havido tratativas."
Não foram localizados os responsáveis pela Natural e Leste Marine. As outras empresas não responderam os contatos feitos pela reportagem.
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