O esquema só foi descoberto agora pelas autoridades, mas, segundo fontes ouvidas pela Folha, há tempos a compra de produtos importados de Miami (EUA) e de outras cidades americanas passa pela Guiana e chega ao Brasil, via Roraima, sem o devido recolhimento de impostos.
Como as atenções sempre estiveram voltadas para a fronteira com
a Venezuela, onde o contrabando e descaminho de mercadorias ocorrem com
frequência, a fronteira com a Guiana ficou livre para a ação de pequenos
compradores e de quadrilhas especializadas em burlar o fisco.
Na última segunda-feira, 17, a Polícia Rodoviária Federal (PRF)
apreendeu um caminhão carregado de aparelhos eletroeletrônicos e hospitalares
avaliados em mais de R$ 1 milhão. As mercadorias entraram no Brasil pela Guiana
sem o pagamento dos tributos. O caso é investigado pela Polícia Federal (PF). Os
produtos estão retidos na Receita Federal (RF).
As mercadorias estavam identificadas com os nomes dos possíveis
donos, com endereços localizados nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, entre outros.
Quem conhece o esquema diz que a maneira mais barata de comprar
no exterior é pela Guiana. No país não há tributação sobre produtos de
informática importados, uma maneira que o governo encontrou de incentivar a
informatização do país.
Tais importações são facilitadas por “empresas de courier”
(serviços de entrega rápida) situadas em Miami, ou seja, se compra qualquer
coisa, em lojas de qualquer lugar dos Estados Unidos, e fornece seu endereço
comercial em Miami (que nada mais é do que um endereço de entregas alugado
dessas companhias em seu nome).
Estas empresas de courier se encarregam de fazer a encomenda
chegar ao cliente em qualquer país do Caribe (frete, transporte e desembaraço
aduaneiro), incluindo a Guiana. A fiscalização alfandegária no porto ou
aeroporto daquele país é deficiente, o que faz com que esse volume de
contrabando seja maior do que se imagina (contêineres sem fim), incluindo-se
nesse volume de contrabando até mesmo veículos.
Outra maneira, segundo revelou uma fonte, é comprar
mercadorias por meio de sites dos Estados Unidos (um dos mais usados é o ebay,
que é um mercado livre e precisa fazer uma conta para utilizá-lo), Panamá e
China e pedir para entregar em Georgetown, capital da Guiana, por meio do
correio internacional. Para receber o produto, é preciso ficar pelo menos cinco
dias na cidade. A entrega pode até ser feita no hotel, onde o cliente está
hospedado.
Contudo, tanto quem usa as empresas de courier quanto o correio
internacional, a difícil tarefa é burlar a fiscalização das autoridades
fazendárias brasileiras, na fronteira com a Guiana. Quando consegue, é possível
ter um produto – ainda que de maneira ilegal – de boa qualidade e quase que pela
metade do preço.
Outra fonte contou para a reportagem que também é possível
comprar produtos importados de brasileiros que vivem na cidade fronteiriça de
Lethem. Eles se encarregam de adquirir as mercadorias no exterior e as levam até
a fronteira. Só que para entrar no Brasil, a responsabilidade fica por conta do
cliente.
Conforme a fonte, essas mercadorias importadas ilegalmente
também são absorvidas pelo mercado amazonense. “Muita gente faz isso e faz há
tempos. Tem esquema pronto, principalmente com os eletrônicos da moda, como iPad
e iPhone. Se esse caminhão que foi apreendido em Boa Vista chegasse aqui em
Manaus, tinha lojista do Centro que compraria ele inteirinho, na hora. Aqui é
muito mais fácil de vender”, afirmou. Caminhoneiro preso com mercadorias é
libertado.
A carga apreendida na segunda-feira, de produtos originais e de
boa qualidade, dificilmente seria para o mercado interno, embora existam relatos
de que mercadorias importadas ilegalmente possam ser encontradas no comércio
local, segundo apurou a reportagem.
Algumas hipóteses são levantadas quanto aos caminhos que
possivelmente seriam percorridos pelas mercadorias até chegar aos destinatários.
Os produtos poderiam ser enviados aos poucos – descaminho “formiguinha” – por
transportadoras, Correios, companhias aéreas e transporte interestadual, para
não levantar suspeita. Tudo de uma única vez, como foi feito na ocasião da
entrada no país, seria muito arriscado, em razão da fiscalização interestadual.
O motorista do caminhão, Jamil de Almeida Souza, preso em
flagrante acusado de descaminho, foi colocado em liberdade anteontem, por meio
de um relaxamento de prisão. Ele estava recolhido na Penitenciária Agrícola do
Monte Cristo.
Provavelmente ele não tinha conhecimento da importância da
carga que estava transportando. Foi pago apenas para fazer o frete.
Possivelmente seu contratante é quem seria o responsável por distribuir as
mercadorias.
No momento de sua prisão, Souza disse aos policiais que
atravessou a fronteira pelo município de Normandia e não Bonfim, comumente
utilizado por quem vai para a Guiana. É possível que os produtos tenham sido
levados até o caminhão de barco, pelo rio Tacutu, que divide os dois países.
Receita Federal cataloga produtos apreendidos
O delegado da Receita Federal, André Spagnuolo, disse à
reportagem que os produtos apreendidos pela PRF estão sendo catalogados. Cada
mercadoria receberá um código com o preço equivalente. A expectativa é que esse
trabalho seja concluído em menos de um mês.
Ainda que sejam oriundos de aquisição irregular, qualquer
doação só pode ser feita mediante decisão judicial. Entre as regras para a
destinação, primeiro são doados os produtos para Receita Federal, depois órgãos
do Ministério da Fazenda, em seguida outros órgãos federais, como as polícias
Federal e Rodoviária Federal, depois instituições estaduais e municipais e, por
fim, entidades sem fins lucrativos.
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