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24 de março de 2011

"Não vem que não tem"

Autor(es): Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 24/03/2011

Na já célebre entrevista concedida à jornalista Claudia Safatle, do Valor, a presidente Dilma Rousseff garantiu que não tomará nenhuma iniciativa na área previdenciária que possa tirar direito dos trabalhadores. "Não vem que não tem", disse para enfatizar sua determinação. A resposta foi dada quando a jornalista perguntou sobre o projeto de lei que cria a previdência complementar do funcionalismo público federal, que está engavetado na Câmara dos Deputados desde 2007. Mas não foi porque retira direito do trabalhador que o projeto não andou. Ao contrário, o objetivo do projeto é igualar as regras previdenciárias dos servidores públicos às regras aplicadas aos trabalhadores da iniciativa privada.

O projeto que cria a previdência complementar doservidor público federal foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2007, quando a atual presidente da República ocupava o cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Na época, o projeto foi apresentado como uma das medidas fiscais de longo prazo necessárias para a sustentação do crescimento. Passados quatro anos, o projeto não tem parecer de nenhuma comissão da Câmara. Ele não conseguiu andar um milímetro por causa das pressões das entidades representativas dosservidores federais, principalmente aquelas ligadas ao Judiciário.

Há um detalhe que mostra a que ponto chegou o nível de irracionalidade no debate brasileiro sobre o sistema previdenciário. O regime de previdência complementar para o servidor está prevista na Constituição e o projeto encaminhado pelo ex-presidente Lula apenas regulamenta o texto constitucional. Além disso, a emenda constitucional 20/1998 deixou claro que apenas as pessoas que ingressarem no serviço público após a criação do fundo de pensão é que estarão submetidas às novas regras. Os servidores que ingressaram antes só participarão do fundo se assim desejarem. Não há, portanto, nenhum risco de que o projeto retire direito do trabalhador.

Somente depois da criação da previdência complementar para o servidor as regras previdenciárias que valem para os funcionários públicos serão semelhantes àquelas válidas para os trabalhadores da iniciativa privada. Atualmente, há um teto para o benefício de aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), mais conhecido como INSS. Se quiser um rendimento superior a esse teto (hoje de R$ 3.689,66), o trabalhador da iniciativa privada precisa contribuir para um fundo de pensão durante a sua vida laboral.

Hoje, não existe valor máximo para a aposentadoria do servidor público. Depois de criada a aposentadoria complementar, no entanto, a pessoa que ingressar no serviço público só receberá, quando se aposentar, o teto do RGPS, que será garantido pelos cofres públicos. Para obter um rendimento superior a esse teto, o servidor terá que contribuir para um fundo de pensão, da mesma forma que o trabalhador da iniciativa privada. As entidades representativas dos funcionários públicos pressionam os deputados e senadores no Congresso Nacional para que o projeto encaminhado por Lula não seja aprovado porque não querem que os servidores se submetam às mesmas regras que são usadas para os trabalhadores da iniciativa privada. Em outras palavras, o que essas entidades querem é manter privilégios.

Durante o seminário "O futuro da Previdência no Brasil", realizado recentemente pelo Ministério da Previdência Social e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o economista Marcelo Abi-Ramia, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou alguns dados sobre a atual disparidade entre o RGPS e o regime próprio dos servidores públicos federais (RPPS). No ano passado, enquanto o déficit (diferença entre as receitas e as despesas) do RGPS foi de R$ 42,9 bilhões, o déficit do RPPS atingiu R$ 51,2 bilhões. Ou seja, o contribuinte gastou mais com as aposentadorias e pensões dos funcionários públicos do que com as aposentadorias e pensões dos trabalhadores da iniciativa privada.

Com um agravante: os R$ 51,2 bilhões gastos pelos contribuinte beneficiaram apenas 940 mil servidores aposentados e pensionistas, enquanto os R$ 42,9 bilhões ajudaram a pagar as aposentadorias e pensões de 24,4 milhões de trabalhadores da iniciativa privada. Como observou Marcelo Abi-Ramia, o benefício médio mensal do RGPS ficou em R$ 714. Já o benefício médio mensal do RPPS foi de R$ 5.972, como mostra a tabela abaixo. Em sua palestra, o economista do Ipea disse que os servidores aposentados do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público têm aposentadorias médias superiores a R$ 15 mil por mês.

Não é difícil entender, portanto, que o atual sistema previdenciário do servidor público contribui para a perversa desigualdade de renda do Brasil. Alterar esse sistema, preservando os direitos dos servidores que estão na ativa, como manda a Constituição, vai apenas corrigir uma terrível distorção. Se a presidente Dilma trabalhar para que o projeto enviado pelo ex-presidente Lula seja finalmente votado pelo Congresso Nacional, certamente a sociedade brasileira a aplaudirá, pois ela estará lutando por um Brasil socialmente mais justo, menos desigual.

Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras


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