Contrabando de gasolina no Alto Solimões, no Amazonas, continua monopolizando o comércio
Polícia Federal reduziu suas ações de fiscalização contra o contrabando e a Receita Federal sofre com falta de servidores
Alto Solimões (AM), 22 de Maio de 2011
Márcio Azevedo
O contrabando de gasolina na região do Alto Solimões, no extremo oeste do Amazonas, continua tão sem controle, que até vereador vende o combustível em sua casa.
Passados dois anos desde a primeira denúncia feita por A CRÍTICA, o comércio ilegal do produto peruano permanece, só que dessa vez com dois grandes agravantes: a redução das ações da Polícia Federal (PF) para esse tipo de ilícito e a completa falta de servidores da Receita Federal (RF) para questões aduaneiras na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Durante nove dias, de 1º a 9 de maio de 2011, a reportagem voltou a visitar cinco municípios, um a mais que na reportagem de abril de 2009.
Pouca coisa mudou na paisagem das cidades de Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá.
Em Benjamin Constant, onde a reportagem esteve pela primeira vez no dia 7 de maio deste ano, o cenário encontrado era similar ao das localidades visitadas dois anos antes: venda de combustível contrabandeado em plena rua.
A cidade, que fica a 1.116 km de Manaus, possui apenas dois postos de combustíveis fluviais, os chamados “pontões”. Neles são abastecidos apenas embarcações.
Quem precisa encher os tanques de carros e motos no município acaba comprando das diversas barraquinhas improvisadas ou mesmo nas inúmeras residências onde uma garrafa pet com gasolina exposta na frente da moradia indica o ponto de abastecimento.
O comércio ilegal na cidade é tanto que algumas pessoas até montaram uma espécie de posto de combustível onde são vendidos a gasolina contrabandeada, gás de cozinha e óleos lubrificantes.
Um desses locais fica na estrada que dá acesso ao campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), bem em frente a um armazém abandonado.
O local, construído todo em madeira, tem aproximadamente 10 metros quadrados e é cercado por um pequeno jardim. As poucas flores não abafam o cheiro forte da gasolina que exala das dezenas de garrafas pets destampadas a espera dos clientes.
“Não tenho idéia de quantos pets é vendido aqui por mês. Sou apenas funcionário. Meu patrão é que sabe essas coisas”, respondeu, desconfiado, o vendedor Antônio Silva. Segundo os mototaxistas que nos indicaram o local, o dono é um peruano que não foi encontrado.
Qualidade
O litro da gasolina peruana em Benjamin Constant não ultrapassa os R$ 2. Numa região onde a mesma quantidade do combustível nacional ultrapassa facilmente os R$ 3,50, nem a péssima qualidade do produto afasta os consumidores.
“Essa gasolina só presta em moto com carburador. Essas motos novas com injeção eletrônica quebram porque a gasolina é muito suja. Mas fazer o que, se não tem posto de gasolina aqui? O jeito é filtrar com pano na hora de abastecer”, opinou o mototaxista Flávio Souza da Silva, 22, dono de uma motocicleta CG Pop com carburador.
Já para quem tem outras opções de abastecimento, como a professora Neize Maria da Silva, 43, que mora em Tabatinga, a 1.105 km de Manaus, o combustível “importado” não se torna atrativo.
“A R$ 3,20 eu acho a gasolina cara em Tabatinga, mas é de boa procedência e tem qualidade. Eu poderia abastecer nos postos colombianos ou comprar a gasolina peruana, mas prefiro pagar mais e evitar problemas no motor da minha moto”, disse.
Vereador
São Paulo de Olivença, a 982 km de Manaus, vive hoje uma situação bem diferente da encontrada em abril de 2009.
Das dezenas de vendedores de gasolina contrabandeada, apenas uma meia dúzia permanece com a venda residencial. Entre esses vendedores está um vereador índio do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O indígena ticuna Alcides Guedes é vereador de primeiro mandato. Foi eleito em 2008 com 288 votos. Mora em uma casa de alvenaria com a família em uma área próxima ao balneário da cidade, na estrada do aeroporto.
Além de parlamentar, atua como protético e, também, como vendedor de combustível peruano. Segundo ele, a venda ilegal ajuda a reforçar o salário da Câmara Municipal nos finais de meses.
“O dinheiro da Câmara dá pra viver. Mas essa venda é só porque no fim do mês aperta um pouco. Só que comecei a vender não faz muito tempo, mas vou parar. Vai ser só esse tambor de 200 litros e aí já paro porque sei que é ilegal”, disse, desconfiado, o vereador que concedeu entrevista na sala de estar de sua residência sob o olhar de poucos amigos de um de seus filhos.
Na cidade, todo mundo conhece quem são os vendedores do produto contrabandeado. Mas apenas uma pessoa se incomoda com a atividade ilegal.
Sandro Martins é dono de um posto e um “pontão”. Ele é que mais sofre com a presença do combustível contrabandeado, mas não tem a quem recorrer.
“Fiz um alto investimento para me legalizar, mas não estamos tendo apoio nem da Polícia nem da Receita Federal. Hoje eu só vendo 40 mil litros por mês, antes vendia 80 mil”, reclamou.
Mas a queda nas vendas não tem sido afetada pelo comercio residencial, e sim pela atividade na orla da cidade. No local, além dos ticuna, alguns donos de flutuantes revendem a gasolina para pequenas embarcações.
Assaltos
A leve queda no contrabando de combustível da fronteira até as comunidades nos municípios de São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Iça começou no final de 2009. Um dos motivos foram os assaltos.
Segundo quem ainda permanece na atividade ilegal, os roubos passaram a se tornar freqüentes, principalmente à noite, horário mais usado para o transporte da gasolina contrabandeada.
No município de Amaturá, a 907 km de Manaus, dois vendedores do combustível na cidade garantiram comprar a gasolina direta do posto fluvial. Segundo a denúncia, o dono vende 200 litros a R$ 575, ou seja, o litro sai a R$ 2,87.
O que chama a atenção é que na bomba, o litro custa R$ 3,25 e, segundo a distribuidora de combustível que abastece os postos daquela região, o litro para os “pontões” é vendido a R$ 2,80.
“Ele me vende a esse preço. Sei que ele compra da Equador, mas não sei como vende mais barato”, disse o agricultor Antônio Silva.
Fiscalização
Apesar de haver em Tabatinga escritórios da Receita e da Polícia Federal, esses órgãos acabam não tendo como coibir o contrabando de combustível, especificamente.
A PF, por exemplo, atua contra o tráfico de drogas e, sempre que pode, faz apreensões de combustível, apesar de não ser seu foco de ação. Principalmente, depois dos cortes orçamentários às operações.
“Sempre que saímos para combater o tráfico, também apreendemos gasolina, mas não é nosso foco. Quem devia coibir isso era a Receita Federal e a Agência Nacional de Petróleo”, disse Gutemberg Menezes, agente da PF que chefia a “Operação Sentinela” que atua contra o tráfico de drogas no Alto Solimões.
Segundo Menezes, um dos maiores sonhos dos agentes é operar a lancha de mais de R$ 4 milhões que pertence a Receita Federal e que, desde 2008, permanece parada no rio Solimões.
“Não temos pessoal capacitado para operar a lancha. Na verdade, não temos pessoal para nenhuma atividade aduaneira. Sou apenas eu para cuidar dessa parte”, revelou a auditora Daniela Bonafé Fernandes, inspetora chefe da parte aduaneira da RF em Tabatinga.
Segundo ele, seriam necessários, no mínimo, 20 servidores para atuar na área de combate ao contrabando. No entanto, esse é um número que tão cedo não deve ser alcançado.
Outro órgão que também sofre com a falta de pessoal é a ANP. Instalado desde janeiro de 2011 em Manaus, o escritório que responde por seis Estados da região Norte possui apenas dois servidores.
“A ANP tem como função primordial a persecução administrativa, ou seja, verificar as irregularidades e aplicar as multas ou adotar medidas para coibir ações ilegais”, explicou Noel Santos, coordenador do escritório regional.
Fonte: JORNAL A CRÍTICA
Passados dois anos desde a primeira denúncia feita por A CRÍTICA, o comércio ilegal do produto peruano permanece, só que dessa vez com dois grandes agravantes: a redução das ações da Polícia Federal (PF) para esse tipo de ilícito e a completa falta de servidores da Receita Federal (RF) para questões aduaneiras na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Durante nove dias, de 1º a 9 de maio de 2011, a reportagem voltou a visitar cinco municípios, um a mais que na reportagem de abril de 2009.
Pouca coisa mudou na paisagem das cidades de Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá.
Em Benjamin Constant, onde a reportagem esteve pela primeira vez no dia 7 de maio deste ano, o cenário encontrado era similar ao das localidades visitadas dois anos antes: venda de combustível contrabandeado em plena rua.
A cidade, que fica a 1.116 km de Manaus, possui apenas dois postos de combustíveis fluviais, os chamados “pontões”. Neles são abastecidos apenas embarcações.
Quem precisa encher os tanques de carros e motos no município acaba comprando das diversas barraquinhas improvisadas ou mesmo nas inúmeras residências onde uma garrafa pet com gasolina exposta na frente da moradia indica o ponto de abastecimento.
O comércio ilegal na cidade é tanto que algumas pessoas até montaram uma espécie de posto de combustível onde são vendidos a gasolina contrabandeada, gás de cozinha e óleos lubrificantes.
Um desses locais fica na estrada que dá acesso ao campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), bem em frente a um armazém abandonado.
O local, construído todo em madeira, tem aproximadamente 10 metros quadrados e é cercado por um pequeno jardim. As poucas flores não abafam o cheiro forte da gasolina que exala das dezenas de garrafas pets destampadas a espera dos clientes.
“Não tenho idéia de quantos pets é vendido aqui por mês. Sou apenas funcionário. Meu patrão é que sabe essas coisas”, respondeu, desconfiado, o vendedor Antônio Silva. Segundo os mototaxistas que nos indicaram o local, o dono é um peruano que não foi encontrado.
Qualidade
O litro da gasolina peruana em Benjamin Constant não ultrapassa os R$ 2. Numa região onde a mesma quantidade do combustível nacional ultrapassa facilmente os R$ 3,50, nem a péssima qualidade do produto afasta os consumidores.
“Essa gasolina só presta em moto com carburador. Essas motos novas com injeção eletrônica quebram porque a gasolina é muito suja. Mas fazer o que, se não tem posto de gasolina aqui? O jeito é filtrar com pano na hora de abastecer”, opinou o mototaxista Flávio Souza da Silva, 22, dono de uma motocicleta CG Pop com carburador.
Já para quem tem outras opções de abastecimento, como a professora Neize Maria da Silva, 43, que mora em Tabatinga, a 1.105 km de Manaus, o combustível “importado” não se torna atrativo.
“A R$ 3,20 eu acho a gasolina cara em Tabatinga, mas é de boa procedência e tem qualidade. Eu poderia abastecer nos postos colombianos ou comprar a gasolina peruana, mas prefiro pagar mais e evitar problemas no motor da minha moto”, disse.
Vereador
São Paulo de Olivença, a 982 km de Manaus, vive hoje uma situação bem diferente da encontrada em abril de 2009.
Das dezenas de vendedores de gasolina contrabandeada, apenas uma meia dúzia permanece com a venda residencial. Entre esses vendedores está um vereador índio do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O indígena ticuna Alcides Guedes é vereador de primeiro mandato. Foi eleito em 2008 com 288 votos. Mora em uma casa de alvenaria com a família em uma área próxima ao balneário da cidade, na estrada do aeroporto.
Além de parlamentar, atua como protético e, também, como vendedor de combustível peruano. Segundo ele, a venda ilegal ajuda a reforçar o salário da Câmara Municipal nos finais de meses.
“O dinheiro da Câmara dá pra viver. Mas essa venda é só porque no fim do mês aperta um pouco. Só que comecei a vender não faz muito tempo, mas vou parar. Vai ser só esse tambor de 200 litros e aí já paro porque sei que é ilegal”, disse, desconfiado, o vereador que concedeu entrevista na sala de estar de sua residência sob o olhar de poucos amigos de um de seus filhos.
Na cidade, todo mundo conhece quem são os vendedores do produto contrabandeado. Mas apenas uma pessoa se incomoda com a atividade ilegal.
Sandro Martins é dono de um posto e um “pontão”. Ele é que mais sofre com a presença do combustível contrabandeado, mas não tem a quem recorrer.
“Fiz um alto investimento para me legalizar, mas não estamos tendo apoio nem da Polícia nem da Receita Federal. Hoje eu só vendo 40 mil litros por mês, antes vendia 80 mil”, reclamou.
Mas a queda nas vendas não tem sido afetada pelo comercio residencial, e sim pela atividade na orla da cidade. No local, além dos ticuna, alguns donos de flutuantes revendem a gasolina para pequenas embarcações.
Assaltos
A leve queda no contrabando de combustível da fronteira até as comunidades nos municípios de São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Iça começou no final de 2009. Um dos motivos foram os assaltos.
Segundo quem ainda permanece na atividade ilegal, os roubos passaram a se tornar freqüentes, principalmente à noite, horário mais usado para o transporte da gasolina contrabandeada.
No município de Amaturá, a 907 km de Manaus, dois vendedores do combustível na cidade garantiram comprar a gasolina direta do posto fluvial. Segundo a denúncia, o dono vende 200 litros a R$ 575, ou seja, o litro sai a R$ 2,87.
O que chama a atenção é que na bomba, o litro custa R$ 3,25 e, segundo a distribuidora de combustível que abastece os postos daquela região, o litro para os “pontões” é vendido a R$ 2,80.
“Ele me vende a esse preço. Sei que ele compra da Equador, mas não sei como vende mais barato”, disse o agricultor Antônio Silva.
Fiscalização
Apesar de haver em Tabatinga escritórios da Receita e da Polícia Federal, esses órgãos acabam não tendo como coibir o contrabando de combustível, especificamente.
A PF, por exemplo, atua contra o tráfico de drogas e, sempre que pode, faz apreensões de combustível, apesar de não ser seu foco de ação. Principalmente, depois dos cortes orçamentários às operações.
“Sempre que saímos para combater o tráfico, também apreendemos gasolina, mas não é nosso foco. Quem devia coibir isso era a Receita Federal e a Agência Nacional de Petróleo”, disse Gutemberg Menezes, agente da PF que chefia a “Operação Sentinela” que atua contra o tráfico de drogas no Alto Solimões.
Segundo Menezes, um dos maiores sonhos dos agentes é operar a lancha de mais de R$ 4 milhões que pertence a Receita Federal e que, desde 2008, permanece parada no rio Solimões.
“Não temos pessoal capacitado para operar a lancha. Na verdade, não temos pessoal para nenhuma atividade aduaneira. Sou apenas eu para cuidar dessa parte”, revelou a auditora Daniela Bonafé Fernandes, inspetora chefe da parte aduaneira da RF em Tabatinga.
Segundo ele, seriam necessários, no mínimo, 20 servidores para atuar na área de combate ao contrabando. No entanto, esse é um número que tão cedo não deve ser alcançado.
Outro órgão que também sofre com a falta de pessoal é a ANP. Instalado desde janeiro de 2011 em Manaus, o escritório que responde por seis Estados da região Norte possui apenas dois servidores.
“A ANP tem como função primordial a persecução administrativa, ou seja, verificar as irregularidades e aplicar as multas ou adotar medidas para coibir ações ilegais”, explicou Noel Santos, coordenador do escritório regional.
Fonte: JORNAL A CRÍTICA
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