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17 de junho de 2011

Omissão-Covardia-Oportunismo: o OCO da Receita.

Lá do CABRESTO SEM NÓ

Eduardo Schettino
Há muito tempo a Receita Federal vem se apequenando. Já não participa mais das decisões sobre política tributária porque assim aceitam os Auditores que a têm assumido, submetidos a essa condição subalterna em nome da manutenção de seu naco de poder. Tornou-se o fisco repartição reles, mera máquina arrecadadora, acéfala, pusilânime.
Mas a instituição não é coisa autônoma, não tem vida espontânea. Toda organização reflete os pensamentos, os valores e as práticas de seus dirigentes e de seu corpo funcional. O episódio recente da Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida por Auditores contra Analistas – mais um em nosso lamentável histórico corporativo, diga-se de passagem - nos leva a refletir além da ofensa objetiva, nos mostra como atitudes menores têm apequenado o fisco, e como o fisco apequenado retroalimenta essas atitudes.
Omissão
Não raro, questionados sobre atitudes despropositadas de sua categoria, colegas Auditores nos argumentam nada ter a ver com tais decisões. Da mesma forma, é prática recorrente da administração da Receita, em suas diversas projeções, esquivar-se de respostas objetivas, abster-se de resoluções complexas, escusar-se de suas responsabilidades. A verdade é que quando os homens de bem se omitem, os maus prevalecem. Cada qual acuado em sua conveniência, não prosperam nessa Casa nem autoridade, nem fraternidade. Estamos entregues ao Deus-dará, ao cada um por si.
Cumprir carreira dentro da Receita Federal é um ato de resistência, até moral. É preciso vistas grossas para administrar e estômago forte para ser administrado. Parece ser da natureza Barnabé tornar-se transparente, insípido e inodoro. Os que se posicionam são mal vistos. Os que questionam, mal quistos. É o Brasil do mais profundo atraso: do servilismo, da conveniência.
E não nos esquivemos: somos todos culpados. Também praticamos o mesmo jogo. Travestidos de pequenos gerentes ou impelidos ao sindicalismo de resultados, o estampido de nossas conquistas traz consigo o mesmo cheiro de pólvora. Como no pequeno código de conduta da política nacional, só a conveniência equilibra o jogo. E assim vamos sobrepondo nossas cartas, uma a uma, moldando nosso majestoso castelo… só não vale soprar!
Covardia
Aprendi a não confiar no bicho homem. Se é verdade que é a única espécie que pensa, é mais verdade que é espécie que só pensa em si própria. O embate corporativo nada tem de idealismo, não se pauta pela defesa ética, não postula o bem comum. Ao contrário, reflete numa solidariedade circunstancial a fragilidade existencial da humanidade, com todos seus vícios de conduta.
Na Receita a coisa e mais grave. A covardia está institucionalizada. Aqui, submetidos ao papel de cobradores da República, o foco é o grande contribuinte, preza fácil, galinha dos ovos de ouro, sempre à mão. O grande sonegador, não, dá muito trabalho. Muitos têm cargos eletivos, contas no exterior, estão por trás de organizações criminosas. Nosso exército de Sargentos Garcia não tem sequer dimensão da tributação como pilar fundamental do pacto coletivo, como instrumento de justiça social. Está preocupado em fardar-se com ternos de brechó, carteiras lustrosas, placas escovadas, pins e outros adereços botocudos.
Talvez essa alienação, esse afastamento da realidade, essa busca desvairada por uma compensação qualquer à mediocridade existencial, expliquem as iniciativas torpes contra o direito e a vida alheias. O covarde não negocia, oprime. O mentecapto não argumenta, agride. Apenas a conjunção entre limitação intelectual e debilidade moral pode engendrar um ato que deliberadamente atente contra a propriedade, a profissão, a família e a vida de outra pessoa. A partir daí, não há diálogo, não há saída.
Oportunismo
Muita gente se esquece de onde veio, como veio. E, normalmente, esses também não sabem para que vieram. O principal fomento ao embate corporativo na Receita Federal é a defesa da Carreira. Somos levados a acreditar que em nome dessa defesa, tudo se justifica. Mas não me iludo mais, essa discussão é puro oportunismo, conveniente ao Governo, à Administração e aos sindicatos.
A Carreira Auditoria é, como tantas outras carreiras do serviço público, resultado de inúmeras transformações e incorporações. Aqui se acomodam antigos Fiscais, Coletores, Técnicos, funcionários dos extintos IAA, IBC, SUNAB, etc. Há ainda um grande número de Auditores oriundos do concurso de 1991, que acabou, em manobras políticas e decisões jurídicas, por admitir todos classificados no concurso pelos critérios mínimos de aproveitamento. Mais recentemente, os Fiscais da Previdência foram trazidos para carreira, bem como os Analistas deveriam ter sido, mas não tiveram força pra tanto.
Admirável é constatar que, no entanto, algumas das principais lideranças que se insurgem em defesa da observância estrita do concurso público como condição de acesso límpido aos cargos, tenham seus pés sujos de barro. São os guardiões da porta dos fundos. Esses incautos nem mesmo aprimoram seu discurso, não se apercebem que a instituição do concurso público é apenas um meio menos injusto de acesso ao serviço público, opção do constituinte em razão da miséria histórica do serviço público brasileiro, viciado pelo clientelismo e pelo nepotismo.
Concurso público não mede caráter, nem garante dedicação, mas é sim necessário, embora precise ser aprimorado. Às voltas com discussões tolas sobre a escolaridade exigida para o cargo de Analista – que, aliás, só foi reconhecida pelo Executivo porque refletia uma situação de fato, já que em 1999 o percentual de Técnicos graduados superava o de Auditores -, deveríamos estar a discutir um programa de educação continuada para os servidores. Mas para o governo basta que sejamos cobradores, e para muitos de nós basta que não sejamos incomodados: o concurso tornou-se a senha de acesso para uma carreira ociosa e improdutiva.
Oportunidades distribuídas e oportunistas a postos, teremos que conviver a cada dia com o espetáculo do absurdo, com a insegurança constante, com o ambiente tumultuado, com o fisco inoperante. Até que um governo mais oportunista perceba que muito se gasta muito com o fisco, que nossas aposentadorias pesarão no futuro, que já não há razão para mascarar a realidade: qualquer um faz esse papel de cobrador. Aí meus caros, já será tarde. Mas nossos líderes já não estarão por aqui. Gozarão suas aposentadorias, seus acúmulos de oportunidades que, como líderes natos, não desperdiçaram.
A continuar assim, Auditor, Analista, o que quer que seja, não vejo a menor perspectiva. A cada dia miro mais firmemente a porta de saída. O sentimento depois de dez anos de carreira é de uma vergonha profunda, um vazio inacreditável. Se hoje fosse convidado a falar na sala de aula de um filho sobre minha profissão, acho que só sairia isso: eu trabalho na Receita, me perdoem.
Um abraço a todos e força pra todos nós.
Eduardo Schettino


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